“Tenho certeza que ele estaria gravando um álbum de músicas da
cultura popular americana nos dias de hoje”, disse um de seus primeiros
parceiros, Peter Head.
Bon Scott morreu no dia 19 de fevereiro de 1980, bem quando o AC/DC começava a trabalhar no álbum “Back in Black” – o disco que os fez, sem dúvida, a maior banda de hard rock do mundo nos anos 80. Nos anos seguintes, músicas como “You Shook Me All Night Long”
e “Back in Black” se tornaram hinos onipresentes nas rádios de rock
clássico, e a reputação do AC/DC explodiu. Mais do que isso, o lendário Bon Scott e seu vocal em vários clássicos do AC/DC – “Highway to Hell”, “Whole Lotta Rosie” e “T.N.T.” – também tomaram conta das rádios.
Em 2004, a revista Classic Rock nomeou Scott como o maior vocalista de todos os tempos. De acordo com seu velho amigo e companheiro de banda na Mount Lofty Ranges, Peter Head, esse é um sentimento que é compartilhado na Austrália.
“Eles é simplesmente o vocalista mais popular que a Austrália já
teve. Eu não acho que a América goste muito de como ele é considerado na
Austrália”, Head conta à revista Billboard.
Essa visão dos americanos pode mudar em 2015 graças ao novo documentário, “Looking for Bon”. Narrado por David O’Hara (ator britânico, apareceu no seriado “The Tudors” e filme “Os Infiltrados”),
o filme vai explorar a vida de Bon Scott entre os anos de 1970 até
1974. O roteiro foi baseado numa biografia escrita por um dos pioneiros
da música australiana, Vince Lovegrove (que dividiu o vocal com Bon durante os anos 60 na banda The Valentines) e Angela Anagnostopoulos, dando foco nos primeiros anos no AC/DC.
“A proposta do documentário é mostrar aquele que foi o período muito
criativo para Bon entre os anos de 1970 e 74. Esse período muito
criativo da vida Bon mostra o grande vocalista que ele era antes mesmo
de entrar para o AC/DC”, conta o produtor executivo, Shemori BoShae.
A revista Billboard conversou com Peter Head sobre como o período criativo da vida de Bon ajudou a moldá-lo para o AC/DC.
Houve momentos que você se deu conta de quão grande vocalista
era Bon Scott, ou foi simplesmente uma relação entre amigos que tocaram
juntos?
É algo bastante estranho pois ele é uma das milhares de pessoas que
eu conheci, mas em retrospectiva, me parece que ele foi o músico mais
importante que eu já conheci. Quando ele entrou para o AC/DC, ele passou
apenas 5 ou 6 anos com eles antes de morrer, e o resto do mundo só viu
essa fase. Então as pessoas não conheceram a outra fase de Bon, grande
parte dela, o que é uma pena porque é a fase favorita dos australianos e
também a minha.
Conte-nos sobre essa fase.
O Bon Scott que eu conheci gostava de escutar jazz, pessoas como Ray
Charles, e vários cantores negros – ele também amava “black music”. E
também curtia a The Band, Robbie Robertson e todos aqueles caras.
Ele curtia muita coisa, mas quando eu encontrei ele pela primeira vez
em Adelaide, ele estava numa banda chamada Fraternity, e as músicas que
eles tocavam você poderia chamá-las de rock progressivo. Eles eram
altamente artísticos, mas não usavam as letras de Bon – que explicou que
sua poesia não era boa suficiente para a Fraternity. Mas a voz dele era
fantástica, e as músicas que ele fez com a Fraternity muitas pessoas
não ouviram. Eram músicas mais musicais do que aquelas com o AC/DC, mas
as do AC/DC conquistava mais o público em geral.
Nós criamos uma banda chamada Mount Lofty Rangers
quando tocamos com a Fraternity. Foi um período curto e pra deixar as
coisas fáceis nos concentramos em tocar country e country rock porque
tivemos cerca de 240 pessoas diferentes que passaram pela banda. Na
verdade Bon fez o vocal, talvez, uma dezena de vezes. Mas eu sempre
estava ensaiando com diferentes grupos de pessoas. Todos os dias com um
grupo diferente, fizemos muitos ensaios e gastamos muito tempo. Foi uma
época intensa e muito criativa, lançamos algumas músicas de Bon que
talvez a Fraternity não usasse, provavelmente o AC/DC também não, então
nós usamos com o Mount Lofty Rangers. E de fato, Bon havia escrito
algumas músicas pois ele acreditava na ideia da banda Mount Lofty
Rangers, que era basicamente reunir os melhores compositores e os
melhores músicos em Adelaide [Austrália] para criar um som juntos, algo
que não jamais havia sido feito naquela época.
O que você imagina que Bon estaria fazendo musicalmente se estivesse vivo?
Eu acho que ele partiria pra fazer muitas outras coisas.
Ele coisas escandalosas com o AC/DC, tipo se vestir como uma estudante
no palco. Isso ilustrou o senso de humor dele, o qual eu também conheci.
Mas ele também era um vocalista muito sério e você não vê muito isso.
Se ele estivesse vivo e tudo mais, tenho certeza que ele estaria agora
fazendo um álbum com o melhor da música popular americana ou estaria
numa banda onde ele poderia demostrar melhor o potencial de sua voz. Ele
tinha uma voz mais blues e soul, tinha sentimento. Foram influências do
que ele escutava naquele tempo, pessoas como Ray Charles e Nina Simone.
O que mais poderia surpreender as pessoas sobre Bon?
Ele costumava ler livros de forma bastante prolífica. Nós fomos apresentados à arte de alta qualidade no sentido de que Hamish Henry, que era o nosso empresário e também da Fraternity e Headband,
administrava uma galeria de arte, então nos misturamos com os melhores
artistas da Austrália – não apenas músicos, mas também artistas,
escritores e nos sentíamos como parte da vanguarda de intelectuais com o
nosso tipo de música. O sentimento era de algo maior que apenas o rock
n’ roll num pub, nós estávamos tentando desenvolver um estilo de
composição original. E nós misturamos o jazz, country e rock and roll,
tudo isso numa nova forma, pelo menos pensávamos assim naquela época. E
os anos 70 foram especiais na Austrália, pois em cada esquina havia uma
banda, tanto em Adelaide, Melbourne e Sydney – todas elas tocando música
original. Hoje em dia você não encontra mais isso em nenhum lugar do
mundo. Foi uma época muito especial e produtiva.
Você ficou surpreso com a entrada dele para o AC/DC?
Não. Não fiquei nenhum pouco surpreso porque eu acompanhava os duros
esforços do Bon na banda Fraternity, como em uma vez que eles foram para
a Inglaterra durante um ano e passaram fome. Em Adelaide eles tocavam,
talvez, uma vez por semana, mas conseguiam muito pouco dinheiro,
provavelmente conseguiam 100 dólares por semana. E na maior parte do
tempo, ele tinha que arrumar um emprego diário pra sobreviver. Uma vez
eu o vi passando o dia, cerca de 12 horas de trabalho, tirando merda de
trás de um caminhão, aquilo era um trabalho muito pesado. Ele trabalhou
muito pesado em todos os sentidos para sobreviver como músico e pessoa.
Eventualmente Bon foi compensado porque ele passou cerca de 5 ou 6
anos com o AC/DC, onde finalmente ele teve um pouco de reconhecimento.
Quando o AC/DC abriu as portas pra ele, Bon soube que seria sua chance
de conquistar sucesso, e ele simplesmente entrou de cara nisso. Eu não
fiquei nenhum pouco surpreso porque ele estava muito frustrado naquela
época e estava tentando se encontrar. Os caras do AC/DC eram as pessoas
perfeitas pra dar a ele o devido reconhecimento sem alterar seu senso de
humor e ousadia. Ele se entregou e ninguém pode negar que ele passou
muito tempo tentando ser sério e sem receber nada em troca. Então o
AC/DC foi perfeito pra ele naquela época e lugar.
Bon também amava se divertir, certo?
Em seus últimos dias na Austrália, Bon havia visitado duas mulheres
na maternidade de Melbourne. As duas tinha tido filhos e ele os aceitou.
No dia que ele foi visitar essas mulheres, de certa forma não ele e
essas mulheres não se conheciam direito, ele manteve isso em segredo.
Mas em Melbourne há ao menos duas crianças que são filhos dele. Tenho
certeza que vão aparecer outras pessoas dizendo que são filhos dele, e
de fato, pode até ser, quem sabe? Ele foi um especialista nesse assunto.
O que você espera que as pessoas interpretem desses projetos de filme?
Ele simplesmente tinha algo mais do que qualquer outro cantor
australiano jamais teve. Estou contente que as pessoas estão
reconhecendo o trabalho dele depois de 40 anos depois. Mas eu ainda acho
que os americanos não o reconhecem e eu espero que esse documentário e o
filme possam mostrar um pouco mais dele do que já foi exibido no
passado.
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